sábado, 3 de novembro de 2012

“Sejamos adeptos do ócio!”

Já havia ouvido falar sobre a importância do ócio na vida do indivíduo. Ao pesquisar me deparei com alguns sinônimos, tais como “repouso, quietação e lazer”, que podem ser considerados positivos e sob a influência da bondade; enquanto outros, como “preguiça, indolência, moleza”, são certamente negativos e inspirados pela ignorância. Entendo que estes diferentes significados de ócio se embolam de tal maneira que, dependendo do contexto, pessoas moles e indolentes podem ser confundidas como estando “na bondade”, enquanto outras, quietas e em repouso, interpretadas como estando “na ignorância”, etc.
De qualquer modo, a palavra ócio tem seu lado bastante nobre – pelo menos em sua origem no latim –, pois significa “o tempo ocupado com coisas que realmente importam”. Por outro lado, a palavra negócio, que vem também do latim negotium, serve para indicar “as ocupações com coisas que negam o valor da vida”, o que, talvez, são chamadas por nós como “trabalhos fruitivos”. Ócio é, portanto, o tempo gasto na autorrealização espiritual, o tempo precioso em que podemos ficar efetivamente por conta de nós mesmos. Por isso, entre os gregos e os romanos, o ócio era colocado na parte superior da escala de valores, o que nos leva a deduzir que um verdadeiro brahmana deve ser adepto ao ócio, ou seja, de uma vida espiritualmente contemplativa, voltada a smaranam, reflexão – prática esta sob a influência da bondade, e que ajuda o indivíduo a reduzir os riscos da vida espiritual.
Lembra que, no início deste texto, citamos o “lazer” como uma das traduções de ócio? Essa tradução nos remete à Gita, quando Krishna explica que se pode controlar a mente “regulando o comer, o dormir, o trabalhar e o recrear (vihara)”. “Assim”, acrescenta o Senhor, “pode-se mitigar as dores da existência material” (G. 6.17). Este conceito de equilibrar o trabalho com o lazer apresentado por Krishna combina totalmente com o conceito de ócio positivo. Não há como negar – inclusive dentro do serviço devocional – que as pausas são momentos ativos e precisamos delas para nos revigorar, para nos descontrair, para respirar melhor. Quanto a isso, podemos citar a música como bom exemplo: ela tem compasso, cresce, diminui, abre espaços para o improviso e também tem suas pausas, as quais não devem ser entendidas meramente como ausência de som, mas como um elemento genuinamente criativo, que permite a respiração rítmica da música. Para não falar do nosso corpo que faz pausa entre o inspirar e o expirar, os universos também têm seu ritmo.  Depois de serem criados, mantidos e aniquilados há uma pausa na engrenagem cósmica e eles se tornam imanifestos por um período. A ideia é que a pausa é absolutamente natural e sagrada e, por isso, o ciclo dos dias e das noites tem orientado as pessoas tanto ao longo dos milênios quanto no dia-dia. Temos uma necessidade vital de interrompermos nossas atividades e tomarmos fôlego para, assim, restaurar nossas forças, acalmarmos a mente e desfrutarmos mais do tempo, o que nos dá plena disposição para gerar novas forças e reiniciarmos novas atividades. Portanto, no contexto da condição humana, trabalho e folga se completam e um ajuda a recompor o outro.
Antes que alguém pergunte, é claro que eu concordo com a importância de se fazer algo prático e produtivo, mas o dia não tem vinte e quatro horas? Ou seja, se formos organizados, há tempo de sobra para, diariamente, deixar que o ócio faça parte de nossa vida. Este tempo é o nosso sadhana, nossas práticas devocionais, especialmente as nossas duas horas diárias da japa, que é o que realmente importa.
Não tenho medo de me confessar: às vezes, canto japa sem exercer a menor pressão sobre mim, sem tentar obstinadamente ouvir cada sílaba do mantra, sem tentar não pensar em nada. E o interessante nisso é que sinto que, em certos momentos, isso me faz muito bem. Cantar caminhando na beira da praia e se deliciando com a sensação agradável que a água produz no contato com o corpo é um tipo de ócio que me faz muito bem, ou me sentar na varanda de Vrajabhumi e esquecer o relógio e mergulhar na leitura do Sri Chaitanya Charitamrta (talvez seja mais ou menos isso que Krishna quer dizer com “inação na ação”).
Esse tempo transcendentalmente ocioso, quando gasto com leituras devocionais e com o canto do santo nome, nos leva a ponderar e rever conceitos. Portanto, esse tempo é mais sagrado e nunca deve ser visto como perdido, pois de que nos adiantaria caminhar rapidamente, mas pelo caminho errado?

(Shantipur Escola, Visconde Mauá, MG, 03/11/2012)

2 comentários:

  1. Jaya Maharaja!
    Me pego neste tipo de ócio algumas vezes e sinto-me culpado.É bom saber que é positivo. Como é bom mergulhar numa leitura devocional ou cantar japa num envolvimento profundo, a ponto de desejarmos que tais momentos sejam eternos.É como se mudássemos de atmosfera.Porém, o que observo é que estes momentos, no meu caso, são breves e geralmente interrompidos por algo , por alguém ou por mim mesmo. Talvez ainda não consiga adequar minha mente à ocasião. De qualquer forma,obrigado por sua inspiração!
    Minhas repeitosas reverências!

    walter vendhas

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  2. QUANDO O SENHOR SRI KRSNA NOS INSTRUI DIZENDO Q DEVEMOS VER AÇÃO NA INAÇÃO E INAÇÃO NA AÇAO PODEMOS REFLETIR E ENTENDER Q MUITAS DE NOSSOS ÓCIO PODE ESTAR ESTACIONADO EM UMA AÇÃO NÃO BEM APLICADA OBRIGADO MAHARAJ DE SEU SEMPRE SERVO GOPA KUMARA DAS

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